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É DÉBITO OU CRÉDITO? – CLAUDIA HERSZ


10.05.2017 – 27.06.2017

Uma contadora de histórias

Quando pensamos em alguém que conta histórias, lembramos logo de personagens consagrados da literatura universal, tal qual Sherazade, ou mesmo da predisposição de construir narrativas, transmitindo-as de geração em geração. Para Walter Benjamin, contar histórias é uma capacidade que fomos perdendo, devido à gradativa substituição do trabalho artesanal, e seu concomitante encontro de pessoas conversando em torno da realização de uma atividade manual, pela produção industrial, onde mais vale a força de trabalho como bem de troca, predominando o fazer fragmentado, repetitivo e alienado, tanto quanto a excessiva intelectualização desse processo. Há que se pensar do mesmo modo nas culturas em que a oralidade sempre predominou, caso dos povos ameríndios, grupos em que as mesmas histórias ancestrais continuam sendo contadas, que concebem o trabalho e a ação como intimamente entrelaçadas a suas cosmogonias, narrativas produtoras de fortes laços simbólicos e comunitários.

Se tendemos quase sempre a lembrar da literatura e da oralidade, fato é, no entanto, que as artes visuais não estão excluídas desse contexto. Marcel Duchamp, por exemplo, ao produzir La mariée mise à nu par ses célibataires, même, também conhecida como “Grande Vidro”, salientou que nem toda dimensão simbólica e discursiva de uma obra de arte estaria necessariamente contida em sua imagem, em sua configuração visual. Em relação ao Grande Vidro, em particular, a existência e persistência da “Caixa Verde”, conjunto de anotações textuais e esboços sobre a concepção da obra, reforça esse posição do artista. Há na obra visual, em muitos casos, um aspecto verbal imprescindível, capaz de evidenciar outros fatores importantes, explicitar camadas de sentido, contradizer o que se vê e mudar os rumos da relação que o espectador tem com o objeto de sua atenção. Fato é que imagens são capazes de narrar tanto quanto textos e vários artistas contam suas histórias utilizando-se de todas as possibilidades que estão a sua mão. Narra-se com as palavras, mas também com gestos, ações e imagens.

Claudia Hersz é definitivamente uma contadora de histórias. Talvez porque guarde algo desse saber ancestral, a capacidade de narrar, de contar e recontar histórias, de ouvi-las e depois transmiti-las – e repetir esse processo. Provavelmente porque haja em seu trabalho algo de certo fazer duchampiano (pensemos agora no Étant donnés, outra obra seminal do artista, cujo título enuncia uma equação – “sendo dados”), um fazer manual meticuloso e delicado, uma habilidade artesanal necessária e capaz de evidenciar outros conteúdos, fazer de um modo específico para dizer o que se quer dizer por outros meios. Fazer para dizer! Quiçá porque seja a forma que encontrou de estar no mundo, sempre atenta, lendo, ouvindo, observando, buscando; uma artista investigadora, não porque se utiliza de um protocolo, mas em decorrência de sua singular curiosidade, algo que a torna predisposta, capaz de descobrir e articular novas possibilidades de conhecer (poeticamente) o mundo – e, sobretudo, de partilhar isso com outras pessoas.

Contar histórias é se diversificar, estar atenta às sutilezas, aos detalhes, àquilo que nem sempre se dá importância, mas também olhar para o que já está por demais visto, analisado, narrado – e contar de outro modo; fazer de outro modo. Há uma intensidade nesse processo, pois não se poderia ser diferente: tantas histórias a se contar, tantas histórias ainda a serem descobertas e narradas. Claudia Hersz escolheu fazer isso como uma cronista, não como uma criadora de epopeias intermináveis. Como alguém que produz comentários, pequenos fragmentos capazes de se articular, formando mais e mais histórias, alimentando um corpus em que o espectador se vê enlaçado, convidado a costurar sua própria trama. Uma constelação de histórias, ora evidenciadas, ora presentes como notas de rodapé, desvios que, quando vinculados a um todo, tornam-se dispositivos de rearticulação do que está sendo narrado.

Histórias são condensações de experiências acumuladas, expectativas diversas, sentimentos contraditórios, assuntos tratados com força, delicadeza, mas também ironia e humor. Eis aí o “x” da questão: como propor, mediante o desvio que a ironia impõe à ordem, ao interdito, ao não mencionado, um modo possível de dizer, um meio de narrar? Algo que Claudia Hersz, contadora de histórias, faz com maestria. É preciso dizer, mas dizer de certo modo – e não dizer completamente. É preciso capturar o espectador, envolvê-lo, conduzi-lo a um lugar, certo lugar, mas ao mesmo tempo deixar algo em aberto, não contar tudo, ou ao mesmo tempo insinuar algo diferente daquilo que é esperado, do já sabido, para que a história, de algum modo, possa continuar.

por Ivair Reinaldim

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MINIBIO DA ARTISTA

O olhar inquieto de Claudia Hersz está sempre disposto a explorar, colecionar e combinar referências derivadas da história da arte e da cultura. Ao remixar essas referências, tal qual uma DJ visual, a artista lança luz sobre questões como falsificação, fetichização e autoridade, além de engendrar um universo bastante particular por meio de peças como objetos em miniatura, assemblages, desenhos e pinturas em tapeçarias ou em porcelana.

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SERVIÇO

É DÉBITO OU CRÉDITO
Período da exposição: De 10 de maio a 27 de junho de 2017
Horários: de terça a sexta, das 11:00 às 19:00, sábados, das 11:00 às 14:00

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©Portas Vilaseca Galeria.