07.11.2019 – 08.01.2020
Ao percorrer os três andares que compõem a exposição “Liberdade”, de Solange Escosteguy, o espectador talvez tenha a confirmação do elemento que acompanha toda a sua produção: a experimentação com a cor. Nota-se desde a entrada da galeria a parede vermelho-batom que a artista cuidadosamente selecionou para nos recepcionar – essa cor faz um pendant não apenas com o quadro que dá nome à sua individual, mas também se vê refletida em outros trabalhos e nas paredes brancas ao seu redor. A cor, logo, se torna uma discreta iluminação do espaço.
Como a própria artista gosta de dizer, seu percurso vai “da cor à palavra” – e começamos, no primeiro andar, com obras que são fruto da união entre ambas. Nos últimos dois anos, desde que retornou ao Rio de Janeiro, a artista tem se dedicado a pensar trabalhos em que a palavra é lançada como uma semente para o espectador que se torna responsável por vê-la crescer a partir de seu próprio repertório. Algumas delas vem de um campo semântico que remete a mensagens explicitamente políticas – como quando a artista escreve “basta”, faz um “X” ao centro da composição e abaixo diz “pazpazpaz”. Outras de suas escolhas soam mais hedonistas, mas são rapidamente negadas – a artista afirma “sorria”, mas pinta sobre a palavra, novamente, um “X”. Por fim, uma terceira tentativa de agrupar os trabalhos também nota momentos em que frases poéticas estão presentes: “a lua agora vive / na casa onde se mora” – um haikai de seu pai, Pedro Escosteguy) -, diz um de seus quadros verticais forrado com acrilon.
Como em tudo relacionado à sua pesquisa, não nos iludamos com a aparição dessas palavras – seu uso não é ingênuo e todas elas são pensadas milimetricamente. Não à toa, apenas como exemplo, o seu quadro que proclama “liberdade” tem a sua escrita em diversas orientações – conseguimos lê-lo, mas essa forma de escrever pode ser uma metáfora provocativa para a impossibilidade de conseguirmos ser livres. Além da aplicação das cores, essas telas são superfícies para a experimentação de materiais – plaquinhas antigas de identificação, telas de proteção e tubos de plástico são alguns deles. Esses trabalhos, portanto, se misturam com o mundo e negam qualquer leitura de uma pureza da pintura nessa série.
Essa série cria um diálogo interessante com outras da artista incluídas na exposição e vindas de momentos anteriores de sua produção. No segundo e terceiro andares da galeria, vemos tanto algumas de suas “Anti-caixas” – datadas dos anos 1980, mas produzidas desde a década de 1960 -, quanto obras de parede de sua série das “Construções”, da mesma década. Em todos esses trabalhos, não apenas a cor está presente, como também o seu constante desejo de experimentação – as “Anti-caixas” seguem na esteira do questionamento sobre o lugar do objeto na arte contemporânea, ao passo que as “Construções” tensionam os limites da pintura e seus formatos convencionais.
Desde os anos 1960, quando Solange inicia sua pesquisa como artista visual por meio das “Anti-caixas” e das roupas que cria para seus desfiles-happening, a interação ativa do corpo do público se faz presente em parte de sua produção. No terceiro andar da exposição, a artista propõe um trabalho novo em que o público novamente pode interagir – aqui de maneira lúdica, tal qual uma brincadeira de criança ou mesmo os tradicionais jogos das festas juninas. Um panneaux de tamanho grande traz vários buracos e, em cada um deles, uma palavra é escrita – o arco semântico delas é novamente amplo e passa por sentimentos, palavras de ordem e termos que remetem tanto aos direitos humanos, quanto ao fascismo que tem abalado o mundo nos últimos anos. Instalados em uma parede à sua frente, uma nova série de quadros em pequena dimensão pode ser vista como um conjunto de placas que sinalizam caminhos possíveis para um futuro que diariamente nos assusta e se pinta cada vez mais como incerto.
É nesse momento que temos a certeza de que a “Liberdade” pela qual essa exposição e a pesquisa de Solange Escosteguy clama não é aquela das técnicas, materiais e cores do campo das artes visuais – muito mais do que isso, a artista deseja um mundo em que a humanidade possa se enxergar livre por meio de uma sociedade mais igualitária quanto a seus direitos legais, sua distribuição econômica e seu respeito quanto às nossas diversas diferenças culturais e existenciais. Seria isso um dia possível?
Não sabemos, mas enquanto aguardamos a passagem do tempo, a artista acredita no fazer da arte como uma atividade que ainda liberta – e cada um de nós sabe do que gostaria de se ver livre.
por Raphael Fonseca
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MINIBIO DA ARTISTA
Solange Escosteguy pesquisa questões relacionadas à geometria, à forma, à cor e ao texto. A sua produção ganha corpo em telas, esculturas, objetos, colagens e roupas, que revelam de forma lúdica, poética e crítica uma harmonia e uma tensão sobre o que ela chama de “geometria da vida”. A artista é uma das representantes do movimento conhecido como “Nova Objetividade Brasileira”, cujo manifesto assinou em 1967.
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PUBLICAÇÃO
Clique aqui para baixar a versão digital da publicação lançada por ocasião da exposição. Esse livro (bilíngue em Português e Inglês) traz uma introdução da produção, pensamento e fortuna crítica da artista para o público em geral.
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SERVIÇO
LIBERDADE
Período da exposição: De 07 novembro de 2019 a 11 de janeiro de 2020
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GALERIA DE FOTOS
por Rafael Salim